Wednesday, August 15, 2007

Novos Prazeres *

Foi durante uma pausa na criação de um dos seus mais famosos livros – "Admirável Mundo Novo" – que Aldous Huxley escreveu um ensaio sobre os costumes e as práticas de uma sociedade hedonista, a qual pôde observar em temporada na Riviera Francesa.
Huxley acreditava que, mesmo a ciência do século XIX tendo descoberto a técnica da descoberta e, com isso, chegando-se à era das invenções, ninguém conseguiu inventar um novo prazer. Para o autor, as modernas indústrias de prazer do seu tempo não ofereciam nada diferente ou melhor do que tinham os romanos ou egípcios. O cinema, o rádio, os espetáculos são todos proporcionados por aparatos modernos, o que não significa necessariamente que a diversão produto deles seja moderna. Huxley pensava que "tudo o que essas máquinas novas fazem é tornar acessível a um público maior o drama, a pantomima e a música que, desde tempos imemoriais, divertiam o lazer da humanidade". No entanto, na Riviera, esses prazeres mecanicamente reproduzidos não eram encorajados, pois, justamente por ser uma estação de prazer, ali o objetivo era fazer turistas gastarem o máximo de dinheiro possível em um mínimo espaço de tempo. Assim como nossos ancestrais, nesses lugares poderia ser tudo experimentado ao vivo, sem intermediações mecânicas: comer e beber demais, observar bailarinas semi-nuas, estimular o apetite sexual, dançar, jogar e observar os jogos. E, na Riviera, principalmente, o tradicional jogo de apostas. O autor considera que apostar é tão ou mais antigo que o dinheiro. "Tão antigo quanto a própria natureza humana, ou pelo menos tão antigo quanto o tédio, tão antigo quanto a ânsia por excitações artificiais e emoções fictícias."
Encerradas a lista de prazeres proporcionados pelas estações de diversão, fica a certeza de que todos esses prazeres, para aqueles que podem pagar por eles, estão mesmo é situados num certo campo emocional que Huxley definiu como complexo de prazer/dor do esnobismo. A "exclusividade" das diversões é capaz de dar incrível satisfação às pessoas. Mas o esnobismo também pode causar prazeres extraordinários, pois as pessoas gostam de sentir-se como "eleitos" e pensar no rebanho pobre e vulgar lá fora, impossibilitado de desfrutar dos prazeres para os quais apenas esses eleitos podem comprar ingressos.
Entretanto, é também o esnobismo uma forma muito antiga de prazer. O autor acreditava viver a era das invenções, mas não entendia como ninguém fora capaz de "pensar num modo inteiramente novo de estimular agradavelmente nossos sentidos ou evocar reações emocionais agradáveis". Até aquele momento, a tarefa dos "mercadores" do prazer era encontrar o que Huxley chama de Máximo Denominador Comum de diversão, ou seja, uma diversão pouco especializada. Com isso, os apelos de prazer tornam-se muito limitados, pois tentam atingir apenas o que há de comum e simples nas características humanas gerais, desconsiderando todas as idiossincrasias psicológicas.
Baseado em tudo isso, o grande desejo de Aldous Huxley era ser multimilionário para poder financiar um grupo de pesquisadores para procurar uma espécie de intoxicante ideal: "Se pudéssemos cheirar ou engolir algo que pudesse, durante cinco ou seis horas por dia, abolir nossa solidão como indivíduos, harmonizarmos com nossos semelhantes numa cálida exaltação de afeição e fazer a vida em todos os seus aspectos parecer não apenas digna de ser vivida, mas divinamente bela e importante, e se essa droga celestial, que transfigura o mundo, fosse de um tipo que pudéssemos acordar no dia seguinte de cabeça leve e físico ileso – então, parece-me, todos os nossos problemas (e não apenas o único pequenino problema de se descobrir um novo prazer) ficariam inteiramente resolvidos e a Terra se tornaria o paraíso".
Huxley termina o ensaio dizendo que a sensação mais próxima à experiência dessa droga – mas ainda infinitamente distante – seria a emoção da velocidade, essa sim produto da modernidade. Os homens sempre teriam gostado da velocidade, mas eram limitados pela capacidade do cavalo. Hoje, o automóvel é suficientemente pequeno e próximo do solo pra conseguir fornecer a velocidade inebriante que se conseguia com o cavalo a galope.

Apenas uma síntese do ensaio "Procura-se um novo prazer" publicado em uma coletânea – intitulada "Moksha" – de ensaios escritos por Aldous Huxley sobre psicotrópicos e experiências visionárias. O texto é de 1931. Minha pergunta é: hoje, há alguma mudança significativa no "mercado" de prazeres? Ou, mesmo com todo o aparato tecnológico, ainda vivemos apenas variações do mesmo tema?

* A falta de tempo e inspiração me fez querer repostar esse texto. Sorry... como na época em que puliquei o blog ainda não tinha muitos leitores (se tinha algum!), pode ser que agora alguém se interesse

3 comments:

Paula said...

Hmn, essa tal substância perfeita me lembra um pouco o Daime... Até tive uma conversa com o Tiago comparando a soma com a ayahuasca. O problema de achar tal substância é que o excesso de bem estar se torna uma forma de alienação, de lidar com o mundo sem ter de enfrentá-lo, como acontece no admirável mundo novo. Qt a pergunta, acho que vivemos variações do mesmo tema, disfarçadas pelos aparatos tecnológicos.
(inaugurando a série comentado em posts sérios)

Anonymous said...

Bah, acredita que, ontem mesmo, trabalhando num artigo sobre minha dissertação, vi que preciso ler Huxley pra complementar meu trabalho?

Que doido, né? As coisas não aparecem assim, gratuitamente...

Bêjo.

Anonymous said...

Acreditam que ainda não li Admirável Mundo Novo? Tá lá em casa, me esperando...